Nomes dos personagens

A escolha do nome dos personagens é um momento importante para qualquer obra literária. Em regra, o escritor escolhe o nome baseado nas características e também naquilo que se espera do personagem, do papel que deve desempenhar. Essa relação não é sempre óbvia nem obrigatória. É possível, em tese, escolher qualquer nome (mais ou menos ao acaso), mas a escolha de um rótulo que se encaixe na embalagem parece preferível.

Nas obras Alta Fantasia, existe uma dificuldade adicional. Se o universo em que se passa o enredo não é o nosso (ou, pelo menos, não tem ligação óbvia com o nosso), fica difícil justificar a existência de nomes adotados no mundo de hoje. Daí a proliferação de nomes "esquisitos" em livros de gênero. É como ouvir nomes africanos ou japoneses pela primeira vez.

Em "A Guerra das Sombras", os nomes dos personagens foram determinados por três fatores: (i) a língua, (ii) a cultura e o (iii) papel que devem desempenhar o personagem em questão. No caso do Império das Sombras, por exemplo, o silai, dialeto falado pelos conquistadores da ilha, teve grande influência. De fato, os zainiquiares sequer falam o silai nos tempos em que o enredo se passa. Sua língua atual é uma mistura entre o silai, que evoluiu, e o idioma norgam. Entretanto, nomes próprios silai persistem com modificações.

O nome Rairom, por exemplo, vem do silai. "Om" em silai significa discípulo ou filho e "rai" significa céu. Certamente, o pai do personagem quis homenagear a divindade de seus ancestrais, Dinaer, o "deus do céu". Lisian também tem a mesma origem pois "lis" (ou laisin) é flor em silai e "ian" (ou lan), montanha (flor da montanha, portanto) - muito adequado para uma moça vinda de uma província montanhosa como a Terra do Vento. O nome de Iazmein, a narradora do quarto livro, tem origem cultural e lingüística, pois mein ou main em silai significa caminho e Iaz é como os antigos designavam a "chama transcendental", a suprema iluminação. É claro que nos três casos a escolha do nome está intimamente ligada ao papel de cada um dos personagens, bem como aos eventos a eles ligados, mas sobre isso não me alongarei para não revelar detalhes da história.

Se os zainiquiares tiveram na língua a fonte principal de seus nomes, no caso dos alguianos, a cultura (mais precisamente a religião) teve papel preponderante - já que seus nomes são formados a partir dos chamados "princípios universais", defendidos pela Irmandade. Tais princípios, divididos em estáticos e dinâmicos, são uma espécie de explicação da realidade e da criação, baseados na negação da dualidade (ou da existência do mal) e na distinção entre a realidade "que é" e a "que parece ser". Assim, por exemplo, Amoel contém partículas do princípio renovador (amo) e do princípio criador (el). Jonalat contém a partícula "jonal" do princípio evolutivo e a partícula "at" (o tê é pronunciado) do princípio renovador .

É claro que essa profusão de nomes estranhos causa alguma confusão no leitor. Lembro-me de ter tido dificuldade semelhante ao ler autores russos, como Dostoievski. Era difícil memorizar e (até pronunciar) certos nomes. Mas, ao que parece, trata-se de um mal necessário, pois, como disse, não faria muito sentido se meus personagens se chamassem João ou Roberto.

Comentários

Postagens mais visitadas