A arte como imitação

Platão, em “A República”, descreve a arte como uma cópia imperfeita do real e os artistas como meros imitadores daquilo que existe. Quando o pintor rabisca uma montanha em sua tela não se trata, obviamente, da montanha, em si, mas de uma representação imperfeita de algo que existe. Quando o escritor narra uma história faz apenas uma idealização de percepções suas a respeito da realidade. Segundo o filósofo, toda arte, por definição, é uma interpretação imperfeita do que existe, uma imitação.


O artista, como imitador, é obcecado com a realidade, que é sua fonte primeira. Nos mínimos detalhes, tenta reproduzi-la, sem jamais alcançá-la, pois a imitação quase nunca atinge a qualidade do original. A vida e o mundo estão sempre surpreendendo a humanidade porque são amplos e complexos. Por isso, a arte, como imitação, sempre será diminuta quando comparada a original tão grandioso. Platão chega a sugerir que se abandone a empreitada artística, por sua futilidade. No Estado perfeito por ele idealizado, não haveria artistas.

De fato, é impossível ao pintor, ao músico ou ao escritor, por mais abstrata que seja sua produção, escapar à realidade como fonte primordial. A arte está ligada ao real porque sua fonte inafastável é a experiência humana. Seja reproduzindo objetos externos ou a realidade de seus próprios sentimentos, o artista só consegue criar a partir de suas percepções do real. Isso não quer dizer, contudo, que a arte esteja condenada a ser mera imitação.

A arte só é imitação quando seu criador conforma-se com isso. Quando fica se perguntando insistentemente se sua obra reproduz a realidade é que o artista diminui sua criação. Mesmo que a realidade seja o ponto de partida, a arte só se justifica quando é capaz de desligar-se dela, ainda que parcialmente, e de saltar em direção a uma beleza que não é aparente no mundo externo. O artista, ao reproduzir sua experiência, deve ter a coragem de alterá-la, de romper com ela. A razão de ser da arte não está na simples imitação do externo, mas na sua reinterpretação.

Muitos escritores, por exemplo, dizem ter dificuldades de criar personagens do sexo oposto porque são incapazes de pensar como uma mulher. Ora, eles não precisam! Suas personagens femininas não têm que reproduzir com perfeição a realidade do pensamento das mulheres. Outros acham que necessitam estar apaixonados para conseguir descrever o amor, raciocínio que, em última instância, levaria a conclusão de que, para descrever a emoção do assassino, precisariam cometer o crime! Imitadores, eis o que são. Não compreendem a crítica que Platão fez e por isso não conseguem escapar do problema que ele aponta. Estão condenados a tentar reproduzir a realidade sem jamais alcançá-la.

Entretanto, uma vez abandonada a obsessão com a imitação da realidade pode uma obra artística ser verossímil? Qual seria a fonte da verossimilhança da arte, quando não se busca mais reproduzir a realidade em seus mínimos detalhes? Este é um tema para um próximo artigo, mas adianto que a resposta já foi sugerida aqui. A fonte da verossimilhança artística não está na “verdade” da criação, mas em sua “beleza”. O belo é a chama que dá vida à arte.

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