Laios e a magia

"Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era apenas uma aparência, que era parte de um sonho de outra pessoa"
(Jorge Luis Borges - "Las ruinas circulares")


Num outro artigo, mencionei que o Maravilhoso, o elemento definidor da Fantasia, está intimamente relacionado ao sonho. Nasce da mistura entre a fluidez dos sonhos e a concretude da vida real. Quanto mais concreta (verossímil) é essa fluidez mais perfeita é a fusão dos dois aspectos e mais intensa a sensação do Maravilhoso. No conto "Las ruinas circulares", de Borges, um mago almeja sonhar um homem e, assim, impô-lo à realidade. Seu objetivo é, precisamente, tornar concreta a fluidez, sonhar com tal detalhe e esmero que consiga transformar a fumaça dos sonhos em matéria. A magia é, pois, neste conto, fruto do sonho e, mais do que isso, fruto do desejo de controlar o sonho e, através dele, a realidade.

Em Fantasia, magia é, em última análise, um desejo de poder, de controlar o elemento de fluidez que permeia o enredo de modo a dominar também a concreto. Laios Silai, o narrador do terceiro livro, é o "tipo ideal" do mago: a busca pelo poder é o que há de mais importante para ele. No início, ele queria a vingança. Mas logo a vigança se tornou mero pretexto a justificar a busca pelo poder. É o que diz Zainog ao se comparar com Laios:
Eu o compreendo porque, nesse aspecto, somos iguais. Você sempre soube, Laios... eu sempre soube que somos iguais, pois partilhamos a mesma sede, o mesmo desejo nos nutre. E méritos semelhantes sustentam nossas pretensões. Isso nos aproximou no passado e, queira ou não, nos aproxima novamente agora. Embora acreditemos que o poder é meio, nós dois o buscamos como a um fim, porque a busca pelo poder é sempre indeterminada, ilimitada. E como a busca nunca termina, o poder é sempre um distante objetivo e os nobres fins a que, em tese, deveria se destinar a força almejada servem apenas para justificar nosso caminho, para criar um falso e hipócrita fundamento moral que sustente nossos esforços e desculpe os sacrifícios que somos forçados a fazer. Tomamos o efeito pela causa e isso nos agrada. Mas não é pelas justificativas morais que lutamos. Não queremos fazer o bem nem o mal. Não queremos destruir ou construir. Queremos o poder e isso nos basta. O resto são palavras cuja única função é nos iludir.
De fato, Laios é, acima de tudo, um mago e magia é busca pelo poder. Se o primeiro livro é narrado por um deus, Laios é um semideus: igual aos deuses na sede de poder, mas diferente em suas possibilidades. Dinaer advertiu Laios sobre isso:
Você deseja tanto Laios Silai, mas sua condição humana limita você. Sua ambição é comparável a nossa. Se fosse um de nós certamente alcançaria muitas coisas. Mas não é e nunca será! Entenda isso, seu tolo.
Ele não entende, claro, pois entender significaria, em certa medida, renunciar àquilo que o define: a eterna busca por aquele ponto em que a fluidez dos sonhos encontra a realidade.


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